terça-feira, 29 de julho de 2008

Uma xícara de café


Acabara de sair de um desses lugares onde se trabalha de fígaro. Cortara o cabelo e ao passar as mãos pelo que sobrara dizia: "Muito obrigado, senhor cabelerei...". A frase não chegou a ser terminada. Definitivamente não gostara. Levantou. Pagou. Saiu.

Caminhava pela rua destraído e cabisbaixo sem olhar as donas bonitas. Aquela sensação de déjà vu estranhamente o perturbando. Decidiu parar na venda da esquina. O que compraria? Um pirulito? Uma zarabatana e uma porção de chumbinhos? Um refresco? Sentou-se. Pediu uma xícara de café.

Pensou e sorriu sem saber o por que: "Mas não seria muito incômodo?" Ora, de forma alguma. Afinal, "estamos aqui para isso", lhe diria o dono da venda.

Bebericava o café aos poucos sentindo na pele aquele vapor quente e aroma que conhecia tão bem, afinal, não se ganha uma gastrite apenas tomando vinagre. Enquanto sorvia aquele líquido negro levemente adocicado sua mente viajava. Sem sentido. Deveria pedir algo para acompanhar o café? Um sanduíche de presunto talvez? Não, ele era estranho, não comia carne, deveria pertencer a Sociedade Protetora dos Animais. Mas não gostava de ratos, dizia a si mesmo quando via um: "nada de exaltações". Divertia-se com aquilo.

O que pedir então para acompanhar o café? Churros? Churros açucaradinhos e douradinhos... Ou então um bolo, um de verdadinha, não um de mentirinha. Será que o dono da venda tinha bolos? Um de chocolate, ou de baunilha, ou de nata com baunilha e chocolate? Ponderou um pouco mais, talvez fosse melhor pedir algo mais simples como uns biscoito-ôs, ou uns pastéis de palmito...

Decidira não pedir nada. A essa altura o café já deveria estar frio...como as panquecas em cima do balcão, ou as coxas de frango, frias como um cadavér de defunto morto que já falecera, ou como ele mesmo que nem um café quente pode mais aquecer. Talvez ele fosse o abomineve homem das naves, digo, o abominável homem das neves. Mas essas coisas não existem, no máximo acreditaria em duendes que gostam de água da jamaica ou que já chegou o disco voador com bebês jupterianos ou com marcianos possuidores de tecnologias que os terrículas ainda não estão preparados para conhecer como a pulseira telemagnética. Mas acreditava em gigantes, ele mesmo já vira alguns. E bruxas? Definitivamente não acreditava, mas que elas existem, existem, inclusive havia uma senhora que morava no número 71 numa vila ali por perto que todos diziam que era uma bruxa, mas sempre pensara que não passava de uma solteirona solitária e excêntrica que no máximo fazia algumas sessões mediúnicas para espíritos zombeteiros, mas tem gente que jura que em alguns dias a ouvia gritar: "Onde está você, Satanás?!" Humanos sempre falam demais...

Ficou ali divagando devagar por muito tempo. Pensando como se você é jovem ainda, jovem ainda, jovem ainda, amanhã velho será, velho será, velho será, a menos que o coração, que o coração sustente a juventude que nunca morrerá. Sentiu-se velho, lembrou-se do seu avô e de sua coleção de dominós com os quais brincava construindo prédios. Sempre imaginara em ter dominós como o do avô, talvez até devesse fazer um com as teclas do piano. Tinha saudade. Nenhum deles existia mais. O que lhe restara? 14 meses de aluguéis atrasados? Nem isso... Peixinhos coloridos? Um massacote? Digo, um gato? Nada...Naaaada. Queria ter feito mais da sua vida, queria ter ido a Acapulco tomar banho de mar, já que até hoje só o vira pela televisão.

Queria escrever. Tentou escrever algo num guardanapo de papel, mas nada saía, nem um simples cartão de Dia de São Valentim. Talvez tivesse uma vida tão vazia quanto o papel que jazia a sua frente, ou talvez só não fosse mais burro por falta de vitaminas; ou as duas coisas, porque com certeza já o era por maioria de votos. Talvez sim, talvez não, mas o certo é, quem sabe?

Tomou o último gole do café já frio. Levantou. Pagou. Saiu.

Caminhava pela rua com as mãos nos bolsos chutando uma pedrinha numa cena pateticamente emo.

Sua mente voava longe... tão longe que "lá os astronautas vão pelo céu capturando os planetas..." Lembrando de um passado, procurando esquecer o presente e pensando num futuro que talvez nunca tivesse.

Foi para casa assistir o concurso de miss universo pela televisão.

domingo, 27 de julho de 2008

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Lembranças de um Futuro Presente


Morto em vida

Em partida

Sem saída

Jogada à própria sorte

No norte,

Em sua lápide

Escrito mais forte que a morte:

"Pobre menino ideal.

O que te faltou afinal?"

Morreu sem conhecer o mar

Sem poder voar

Sem saber amar

Uma vida que simplesmente

Passou por passar...

domingo, 6 de julho de 2008

Sono


Quando dormir passa de uma simples necessidade e vira prioridade

Quando dormir deixa de ser uma opção e passa a ser uma resignação

Quando dormir é um engodo pra não ir, não vir, não precisar sorrir

Quando o sono ultrapassa a vontade de lutar, continuar... voar

Quando voar só se torna possível nos sonhos de um sono profundo

Uma fuga desse mundo. Imundo

Quando dormir e fugir já não se diferencia e a isso se alia

Um desejo pelo ensejo de simplesmente mudar

De não querer acordar

Para não ver, não crer, não saber

Do que não pode, do que não deve, do que perde.

Quando o sono já não se contém

E a tudo domina

E tudo acaba quando as cortinas se fecham

Na pantomina.

No fim da festa

Nada presta

As mãos apoiando a testa

O fechar dos olhos é só que resta

A luz se apagando por uma fresta.

E nos sonhos eu posso voar
Muito além do mar

Esperando tudo acabar.